segunda-feira, janeiro 22, 2007

Any Given Sunday - Parte II - 2006/07

Minuto 33 da segunda parte,

Jogada de difícil decisão, não por ser confusa mas por a lei ser ambígua nesse ponto.
Estou a falar do atraso ao guarda-redes em que não é permitido a este agarrar a bola se o passe for feito com o pé. Como em todas as leis, existe a sua interpretação, neste caso apenas será punido com um pontapé livre indirecto se houver intenção do colega em passar a bola (com o pé) ao guarda-redes. Ora neste minuto 33 o que acontece é uma espécie de “amorti “, termo usado nos desportos de raquete para uma técnica de amortecer a bola fazendo esta cair perto do local. Ora, o defensor amortece a bola com o pé e o guarda-redes livre de pressão a menos de dois metros do local agarra a bola com as mãos. Esqueci-me porém de dizer que se trata da equipa da casa e o resultado neste momento está em 1-1. Pensamento: “E agora, foi intencional a paragem da bola para o guarda-redes ou não?”. Como pode um árbitro saber o que vai na cabeça do jogador que parou a bola? Muitos lances são claros mas estes que revelam ambiguidade e deixam ao critério do árbitro para decidir, têm solução difícil. Ouve-se um apito e respectivo livre indirecto assinalado. Protestos de um lado, júbilo do outro, com mais ou menos dificuldade a bola é colocado no local específico para tal e a barreira formada em cima da linha de balizam entre os postes.

(Lembro-me de pensar: “Espero que não entre.”, não pelas equipas mas por causa do árbitro. Ao acontecer golo naquele lance e visto ele estar a deixar os jogadores tornarem-se descontrolados, tanto nas entradas físicas como nos protestos e linguagem usada, não sei como iria ser os últimos dez minutos de jogo, mas com certeza muito difícil.)

Minuto 34 e ½ da segunda parte,

Tudo a postos, estou no meu lugar de árbitro assistente em cima da linha de baliza, atrás da bandeirola de canto para ver se a bola ultrapassa totalmente a linha de golo. O árbitro apita, bola movida para o lado, visto ser pontapé livre indirecto apenas será obtido golo se a bola tocar em mais algum jogador antes de ultrapassar a linha de golo, os jogadores da barreira avançam em direcção à bola, remate de um jogador e…

(Por momentos pensei que a bola iria bater em alguém e não ia entrar!)

…a bola viaja a uma velocidade impressionante parecendo fintar todos os que corriam na sua direcção apenas parando na rede… GOLO!

(Corro em direcção ao meio-campo, que é o regulamentado para o árbitro assistente fazer quando há a obtenção de um golo. Páro a meio do caminho como é normal para apontar o golo.)

Minuto 35 da segunda parte,

Estou a apontar o golo e um cartão amarelo por protestos, parece-me. Enquanto escrevo oiço um burburinho, levanto a cabeça e vejo o árbitro a ser agredido, primeiro com um pontapé e depois com um soco.

(Neste momento entro em campo a correr na direcção do meu colega.)

Jogadores de ambos os lados agarram o agressor, que ainda não satisfeito se tenta libertar para “oferecer” mais “presentes” ao meu colega. Felizmente foi bem seguro e levado do terreno de jogo.

Olho do meu colega inchado e logo a famosa coloração de um “olho à belenenses” surge na face do mesmo. Não há condições para prosseguir o jogo, visto o meu colega mal conseguir abrir o olho e focar. Após receber assistência do massagista da equipa da casa, e do apoio dos dirigentes e de alguns jogadores, o jogo foi dado como terminado. Caminhamos para os balneários e há uma aglomeração de público perto do acesso do mesmo. Será para dar apoio ao meu colega? Hum, seria demasiado inocente se acreditasse nisso. Mal nos aproximamos algumas injúrias surgem, não consigo conter um ligeiro sorriso irónico e baixo a cabeça para não alimentar a exaltação popular.
A chuva de insultos continua e aumenta exponencialmente a cada passo de aproximação ao nosso balneário.

Após estarmos os três sozinhos, relaxamos e analisamos o sucedido. O comandante da força policial, neste caso a GNR apresenta-se e diz ter a identificação do agressor para posterior queixa por agressão física. Passados alguns minutos e tudo mais calmo surge de novo o comandante e nos apresenta um senhor - sociólogo de profissão segundo o próprio, o qual diz que estava de passagem e se oferece para testemunha do árbitro.

Pouco mais há a relatar; o tempo foi passado a cumprir normas regulamentares, tomar banho e seguir viagem até ao posto da GNR local, onde atendidos por um simpático militar foi apresentada a queixa. Seguimos para o centro de saúde local para o término dos requisitos do processo agora iniciado.
Esta pequena odisseia terminou em conversa durante a viagem de regresso a casa, apenas interrompida pelo relato de um outro jogo que se ouvia no rádio do carro…



(Se tenho escrito pouco sobre este ano, é talvez pela desmotivação criada pelo final da época passada onde me senti injustiçado pela classificação final e com isso perdi alguma alegria em arbitrar, em poder acreditar que a justiça prevalece quando ainda é a vontade dos homens que dita a classificação final.)